Para boa parte do setor público é difícil ter uma capacidade de inovar tão ágil e flexível quanto a do setor privado. Buscando diminuir essa distância, alguns órgãos municipais têm selado alianças com startups de tecnologia que trazem o que há de novo para dentro do governo, resultando em melhores gestão e prestação de serviços ao cidadão.
O maior exemplo no Brasil é o aplicativo Colab, que nasceu em 2013 com a intenção de ser um canal de reclamações em que qualquer pessoa poderia publicar um problema da sua cidade e compartilhar com os amigos em busca de apoio. Havia, no entanto, dificuldade em encaminhar os problemas a quem poderia resolvê-los. A solução surgiu a pedido da cidade de Curitiba, que solicitou uma versão do app para as prefeituras. E funcionou. Implementado em março deste ano, a capital paranaense já recebeu 1,6 mil demandas pelo app, e conseguiu atender metade.
“Temos o canal de ouvidoria pela Central 156, que é bastante confiável. Mas a população jovem não quer mais ligar para telefones, falar com atendentes e esperar dias por uma resposta”, diz Marcos Giovanella, diretor de internet e mídias sociais da Prefeitura de Curitiba.
O servidor conta que as informações obtidas ao longo do tempo por meio do aplicativo acabam funcionando como dados de inteligência. “Eu consigo fazer geolocalização dos problemas, saber qual bairro tem um volume de certo tipo de demanda, quais os maiores problemas daquele local – se é trânsito, carro estacionado em lugar indevido, etc. E, aí, conseguir agir com mais eficiência”, diz.
No início, a plataforma esperava chegar a cinco prefeituras até o fim de 2014. Atualmente, esse número já beira 40, com Niterói (RJ), Teresina (PI), São Luis (MA), Cuiabá (MT) e Santos (SP) entre elas. Esta última, dona da ouvidoria mais antiga do Brasil, implementou o serviço há dois meses, após ter tido dificuldade em desenvolver um aplicativo por conta própria. “Nosso departamento de TI não tinha a expertise”, diz Flávio Jordão, da ouvidoria de Santos.
Para atender a demanda, a prefeitura destacou três servidores para trabalhar especificamente com as fiscalizações oriundas do app. “Vamos ter de olhar de forma diferenciada para os cidadãos. Temos que ser ativos, próximos e rápidos, porque senão não tem sentido usar o serviço”, diz Jordão. “Nesse mundo de internet, essas parcerias vão ajudar muito a gente.”
A vizinha Guarujá também adotou o serviço em outubro, de olho no aumento de ocorrências durante a alta temporada. “Adotamos como meta atender as demandas em 30 a 40 dias”, diz Marco Antonio de Melo, controlador geral do município. Segundo ele, o atendimento depende também de outros órgãos. “Se vem um problema de esgoto, encaminhamos para a Sabesp; se é iluminação, vai para a empresa competente; se é da prefeitura, temos que mandar para a secretaria responsável”, explica. “E isso pode levar tempo.”
Inovação colaborativa
Segundo Gustavo Maia, cofundador do Colab, o fato de ser uma empresa privada atendendo diversas prefeituras com o mesmo sistema, ajuda a inovar. “Ao trocar experiências entre cidades, você inova. Se fosse o poder público de cada prefeitura fazendo sua própria plataforma, isso teria um poder baixo de inovação”, diz Maia. “Acabamos, assim, fazendo parcerias entre nós, eles e entre as próprias prefeituras.”
Além das prefeituras, o Colab foi selecionado para atuar também em aeroportos no Brasil pela Secretaria de Aviação Civil. Um projeto piloto vem sendo aplicado desde 19 de dezembro (e continua até 6 de janeiro) nos terminais de Guarulhos e Congonhas, em São Paulo; Galeão e Santos Dumont, no Rio de Janeiro; e Juscelino Kubitschek, em Brasília. A ideia é que passageiros possam apontar problemas como demora no atendimento e check-in, ou ainda de limpeza.
O Colab afirma que, apesar de entregar a ferramenta de forma gratuita às prefeituras, tem planos de oferecer serviços pagos a órgãos públicos e empresas, como relatórios personalizados, com análises mais elaboradas.
Outro serviço que já segue a mesma linha e começa a criar parcerias com prefeituras é o da Change.org, plataforma criada em 2007, que hospeda petições sobre diversos temas.
No Brasil, com seus 2,5 milhões de usuários (dos 80 milhões no mundo), a Change espera trazer o sistema “Decision maker”, traduzido como “Quem Decide”, que cria perfis para autoridades (prefeitos, secretários, ministros, parlamentares, etc) que podem responder diretamente ao cidadão sobre abaixo-assinados direcionados a ele ou ao órgão pelo qual responde.
“Trata-se de uma interface pública, é um meio de comunicação. Abaixo-assinados não podem mais ser ignorados, tem cada vez mais pessoas fazendo suas reclamações”, diz a diretora de campanhas da Change.org, Graziela Tanaka. São Paulo deve ser o primeiro local do País a usar o serviço, com perfis da prefeitura (ou do próprio prefeito), das secretarias e da Câmara Municipal. Outras cidades como Niterói, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e Porto Alegre já estão na mira do serviço.
Em trânsito
O aplicativo Waze, bem conhecido por motoristas, foi um dos primeiros a construir um relacionamento com o setor público visando benefício mútuo. A empresa de origem israelense criou em 2013, a pedido da prefeitura do Rio de Janeiro, uma versão adaptada para os painéis do seu Centro de Operações (COR), órgão responsável pelo monitoramento de câmeras, clima e trânsito da cidade.
Pedro Junqueira, chefe de operações no COR, explica que o Waze se tornou mais uma das 100 camadas disponíveis no mapa que toma o telão da sala do Centro de Operações, pelo qual é responsável. Atualmente, o melhor resultado da parceria é o ganho de informações sobre a cidade que, de outra maneira, seria mais difícil obter na velocidade que chega.
“Conseguimos processar um grande volume de dados (big data) e, assim, saber onde acumula trânsito, os melhores horários entre trechos, medir o impacto de uma obra, fazer galeria com todas as fotos publicadas. Com isso, eu ganhei um aliado, que é o cidadão.”
Com o sucesso da parceria, outras cidades no mundo passaram a adotar o sistema, como Nova York (EUA), Tel Aviv (Israel), Barcelona (Espanha) e Jacarta (Indonésia). Para o próximo ano, a meta é dobrar e chegar a 20 cidades, dentre elas Petrópolis (RJ) e Vitória (ES).
“Recebemos dados das prefeituras de eventos e obras. Se sabemos se uma rua será fechada com antecedência, é mais informação para o cidadão e a cidade flui melhor”, diz a brasileira Flavia Sasaki, gerente de desenvolvimento de negócios do Waze para Américas.
Segundo a executiva, apesar de estar ativo no Rio há um ano, o serviço ainda está em “beta”. “Os governos ainda estão começando a fazer cruzamento de dados e formando suas bases”, diz. “Ainda há muito a ser feito.”
Contratos com startups abrem novo horizonte
A adoção de novas tecnologias por meio de parcerias com startups dá agilidade ao setor público e é, em si, uma forma mais eficiente de contrato. Cristiano Ferri, coordenador do Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados e organizador de maratonas de desenvolvimento de ferramentas digitais, diz que o governo deve desenvolver formas alternativas de contrato de serviços e pensar em formas de “incorporar o ‘crowdsourcing’ no Estado”.
“Muitas vezes ele não consegue resolver um problema sozinho e deveria contar com terceiros, mas o modelo por licitação às vezes é ineficiente para atender a demanda”, opina. “Estamos falando de inovações várias: de projetos, de relações entre Estado, empresas e sociedade. Como não sabemos os limites, é preciso experimentar e debater o tema.”
Pedro Junqueira, chefe no Centro de Operações Rio, diz que se fosse para fazer parcerias como a do Waze por licitação, “levaria mais tempo e poderia sair algo bem mais ou menos”, diz.
“Imagina a prefeitura inventar um Waze ou um Twitter? Como já estão por aí, vamos ver como eles conseguem gerar um retorno positivo para eles e para nós.”
Site: Estadão
Data: 11/01/2015
Hora: 21h
Seção: ——
Autor: Murilo Roncolato
Link: http://blogs.estadao.com.br/link/startups-de-tecnologia-ajudam-prefeituras-a-inovar/