A qualidade no processo de inclusão de profissionais é baixa no Brasil porque muitas empresas consideram essa contratação como um custo, e não como um investimento. Foi o que mostrou uma pesquisa de 2014 da consultoria i.Social, que revelou: 82% dos 2.949 recrutadores de RH entrevistados contratam pessoas com necessidades especiais apenas para cumprir a Lei de Cotas, que obriga as companhias com 100 ou mais funcionários a preencher de 2% a 5% dos cargos com deficientes físicos, sensoriais ou intelectuais.
O levantamento faz uma comparação entre as percepções dos especialistas da área de RH e dos profissionais com deficiência em atividade no Brasil sobre o mercado de trabalho. Algumas opiniões conflitantes foram observadas, uma delas diz respeito às barreiras inerentes ao processo de inclusão.
Para os recrutadores, os principais obstáculos são a falta de acessibilidade, o foco exclusivo no cumprimento da cota e a ausência de preparo dos gestores. Para os recrutadores, os principais obstáculos são a falta de acessibilidade, o foco exclusivo no cumprimento da cota e a ausência de preparo dos gestores. Para os deficientes, chamam a atenção a qualidade ruim dos cargos oferecidos, o baixo número de oportunidades e o foco no cumprimento da cota.
Preconceito Menor
Muitos profissionais de RH acreditam que o preconceito está presente no ambiente de trabalho, seja pelos colegas, gestores ou clientes. A pesquisa revelou, no entanto, que a percepção de preconceito por parte das pessoas com deficiência é bem menor – mais de 50% afirmaram nunca ter sofrido constrangimento. O sócio diretor da i.Social, Jaques Haber, explica que os entrevistados responderam as questões de forma anônima, o que pode ter contribuído para deixá-los mais à vontade para expressar suas opiniões.
O levantamento demonstra também que a oferta de boas oportunidades de trabalho para aas pessoas com necessidades especiais ainda é um desafio entre as empresas brasileiras. A maioria das vagas destinadas para deficiente é pouco atrativa e sem qualificação. Para comprovar esse cenário, Jaques usa como exemplo o trabalho na i.Social, que tem 60 mil currículos destes profissionais cadastrados e divulga vagas das empresas:
– Praticamente todas as vagas que recebemos são para auxiliar administrativo ou para desempenho de atividades rotineiras. É raro encontrar empresas que estejam procurando deficientes para cargos mais estratégicos. A inclusão é nivelada por baixo.
Caminho Longo
Mais de 45,6 milhões de brasileiros declaram ter alguma deficiência, segundo os dados mais recente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No entanto, apenas cerca de 306 mil trabalhadores estão em atividade no Brasil, de acordo com levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego. A desproporção entre os dois números aponta um longo caminho a ser percorrido, afirma a professora da IAG Escola de Negócio da PUC-Rio, Ana Heloisa da Costa Lemos.
Em sua avaliação o processo de inclusão de qualquer minoria é sempre complexo e lento, mas quanto maior a presença de deficientes nas empresas – e nesse sentido, a Lei de Cotas foi uma avanço -, mais natural será o convívio entre profissionais com ou sem deficiência. Para ela, o preconceito será reduzido com o tempo, assim como as barreiras de inclusão no mercado de trabalho.
– Vivemos hoje em uma sociedade mais inclusiva do que há 20 ou 30 anos. Acredito que os obstáculos enfrentados pelos deficientes irão diminuir, mas esse processo pode demorar – diz a professora.
Crescer profissionalmente é um desafio para os profissionais com deficiência no Brasil. De um lado, muitos desempenham funções aquém de suas qualificações. Por outro, gestores desconfiam de suas capacidades. A professora conhece história de profissionais que foram contratados somente para cumprir a cota e são subutilizados.
– Dessa forma, ascender a cargos de chefia não é trivial para deficientes no mercado de trabalho.
Especialistas apontam que estimular a diversidade em um ambiente de trabalho pode trazer diversas vantagens para a empresa. Melhorias no clima organizacional, espírito de equipe e inserção de valores como humildade, solidariedade e dedicação entre os profissionais são algumas delas, enumeradas pela presidente do Instituto JNG – Ações de Inclusão Social, Flávia Poppe. Um dos caminhos para aprimorar o processo de inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, aponta ela, é a intensificação do treinamento de gestores.
– As empresas só tem a ganhar com a decisão de investir em projetos de inclusão de deficientes. A imagem destas companhias torna-se muito positiva e humanizada.
Programas estratégicos de inclusão
A Anglo American aposta no Programa Incluir, que tem o objetivo de desenvolver estratégias para a inclusão e retenção de profissionais deficientes. A empresa conta com 19 funcionários com necessidades especiais (12 com debilidade física, auditiva e visual, e sete com deficiência intelectual) na Unidade de Negócios Minério de Ferro Brasil, onde a meta é contratar 30 profissionais com deficiência intelectual até o fim deste ano.
De acordo com o gerente geral de RH, Wagner Silva, o programa foca na melhoria da acessibilidade nas dependências da empresa, sensibilização dos gestores e equipes e treinamentos de capacitação para o desenvolvimento de profissionais.
– Os deficientes físicos passam pelo mesmo processo seletivo que os demais profissionais. O principal obstáculo da área de RH é achar pessoas com deficiência que atendam ao perfil de nossas vagas. Recebemos poucos currículos com a experiência necessária. Ivo da Silva, de 32 anos, é uma exceção em meio a este cenário. Ele ingressou na Anglo American, em julho de 2008, como mensageiro na área de Níquel, Nióbio e Fosfatos – unidade que tem 130 funcionários com necessidades especiais. Passou pelo cargo de auxiliar administrativo e hoje a ocupa a posição de analista de Sistema de Gestão Integrada.
Em sete anos, o profissional, que tem atrofia congênita dos membros superiores, recebeu ajuda de custo da empresa para se qualificar: formou-se em Serviço Social, faz curso de inglês e deseja iniciar uma pós-graduação até o fim do ano.
– Não sinto preconceito por parte dos meus colegas de trabalho. O ambiente é muito bom. Para entrar na companhia, passei por todos os testes e etapas do processo seletivo – destaca.
Jornal: O Globo
Data: 29/03/2015
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Seção: Boa Chance
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