Para Jon “Maddog” Hall, software livre é mais seguro e rentável

Carregando no braço, na altura do ombro, uma tatuagem do Tux, o pinguim mascote do Linux, Jon “Maddog” Hall era uma figura fácil de ser vista na 15ª edição do Fórum Internacional Software Livre (FISL), realizado de 7 a 10 de maio em Porto Alegre. Além da inconfundível e longa barba branca, Maddog circulava por todo o evento, sendo constantemente abordado por entusiastas do software livre para uma conversa ou para tirar uma fotografia. Aos 63 anos, o diretor-executivo da Linux International, organização sem fins lucrativos que busca promover o uso do sistema operacional, diz não culpar pessoas por utilizarem softwares de código fechado. “Acredito que devemos usar a melhor ferramenta para cada trabalho – acontece que essa ferramenta normalmente é o software livre”.

JC Empresas & Negócios – A Microsoft mantém a liderança no mercado corporativo. O senhor acredita que a presença do Linux deve aumentar nos próximos anos?

Jon Maddog Hall – Primeiramente, gostaria de fazer uma correção: se essas companhias estão usando roteadores Linksys, então elas provavelmente utilizam Linux. Se elas têm Android nos celulares, usam software livre. Grandes empresas sempre utilizaram uma variedade de sistemas necessários para resolver seus problemas. Eles usam Microsoft no desktop? Provavelmente, é uma questão de legado. Levamos muito tempo para convencer as empresas que poderiam utilizar códigos abertos ou softwares livres para tocar os negócios. Mas acredito que, agora, essa questão está superada. As pessoas entendem que o software livre é um software de qualidade. Os custos totais de operação com Microsoft e software livre são mais ou menos os mesmos em um período de cinco anos. No entanto, no sexto ano, há um aumento nos custos da Microsoft, porque você precisa comprar novas licenças. Com o software livre, isso não acontece. Então, para notar a economia do software livre, você terá que calcular o custo total de operação de um período longo. Mais do que isso, se você tocar sua empresa apenas considerando os custos totais de operação, logo irá à falência. É preciso basear o negócio no retorno do investimento. É aí que o software livre realmente se sobressai, porque é possível adaptá-lo exatamente para cada necessidade. Qual a razão para softwares livres e proprietários terem praticamente o mesmo custo de operação? É que são relativamente poucas pessoas que conhecem o software livre e que podem instalá-lo, adaptá-lo. Essas pessoas são muito bem pagas, e isso aumenta o custo. Por isso, precisamos de mais gente trabalhando na área.

Empresas & Negócios – Que vantagens as empresas podem ter ao adotar o software livre?

Maddog – Se você possui um sistema funcionando perfeitamente, não tem problema com ele, acredito que você seria um tolo de mudar para software livre. Não estaríamos melhorando nada, só confundiríamos as pessoas. Contudo, se chegou um ponto em que é preciso comprar muitas licenças novas e isso vai custar muito dinheiro, se o sistema operacional não é estável e vive dando problema, se a vontade é mudar uma parte do software e você não pode, todas essas são razões para mudar para software livre. E, se está começando um novo projeto, por que não considerar o software livre? Outra coisa: ninguém compra software. Ninguém compra computadores. O que se compra é uma solução para um problema. Eu não me importo se a solução vem com a Apple, a Microsoft ou um software livre, desde que consiga o que eu quero. Mas acredito que, com o software livre, há mais flexibilidade para criar essa solução do que com softwares proprietários. Não creio que as pessoas temam o Linux ou softwares livres. Talvez não saibam onde conseguir suporte técnico. IBM e Hewlett-Packard, por exemplo, ficarão felizes em vender suporte para software livre. E há outras opções. Há vários estudantes por aí com muito conhecimento sobre software livre e eles adorarão trabalhar para uma empresa fazendo o programa funcionar corretamente. A vantagem do software livre sobre os proprietários é a possibilidade de ver o código fonte, de corrigi-lo. Por isso, esses estudantes podem ser tão experts em corrigir um código quanto quem o escreveu. Quando você usa software proprietário, o único expert naquele código é seu programador, seja da Microsoft ou Oracle. Com o Linux, o controle passou do fabricante para o usuário final. E o usuário final pode decidir esperar para que os erros sejam corrigidos ou gastar dinheiro para resolvê-los. É sua decisão, não de outra pessoa. Essa é a importância do software livre. Eu não falo mais sobre liberdade tanto quanto fazia. Em vez disso, eu falo sobre escravidão. Muitas pessoas têm dificuldade em entender o que liberdade significa, mas da escravidão elas têm uma imagem mental. Quando você é um escravo, não é dono de nada, tudo é do senhor. Quando você é um escravo do software, lhe dizem em quantos computadores você pode instalar, quantas pessoas podem utilizá-lo – quem possui o software é o fabricante.

Empresas & Negócios – Quais são as oportunidades para os desenvolvedores de software?

Maddog – As pessoas costumam me perguntar: “Como eu posso ganhar dinheiro com software livre?” Da mesma forma que com o software proprietário. Com o software livre é possível corrigir erros, ensinar alguém a usar, fazer uma nova programação – e ser pago por isso. Não há diferença – exceto que, como um usuário de software livre, você pode se tornar melhor nisso do que alguém que utilize código fechado, porque, com o código fechado, não se pode ver como o programa funciona.

Empresas & Negócios – Empresas de desenvolvimento de software proprietário colaboraram com a NSA nos casos de espionagem. No entanto, muitas empresas e governos – inclusive o brasileiro – continuam utilizando os softwares dessas companhias. Usar softwares livres não seria uma opção mais segura?

Maddog – O problema é maior do que só utilizar software livre. Seria necessário ter controle de toda a estrutura, montar a CPU e a placa-mãe, por exemplo. Você precisa poder analisar toda a estrutura. Uma vantagem do software livre é ser montado por pessoas de todo o mundo e de diferentes ideologias. Bem diferente de um software criado em um único país, por um grupo fechado de pessoas, leais àquela nação em particular. Acredito que todo país que possa, deveria construir sua própria estrutura computacional. Não é só por segurança, mas para criar empregos e conhecimento. Se você tem pessoas aptas a fabricar microprocessadores e placas-mãe, isso gera conhecimento que pode produzir outras coisas, como celulares ou satélites.

Empresas & Negócios – Recentemente, a presidente Dilma sancionou o Marco Civil da Internet. Como o senhor avalia essa questão?

Maddog – Ainda não o conheço bem. No entanto, acredito que a internet deve ser tão livre quanto possível. Sinto-me frustrado por pegar meu celular, ligar o wi-fi e ver 49 diferentes hotspots, todos bloqueados. Não deveria ser assim. Deveríamos só precisar ligar o dispositivo para poder usar a internet. Se organizarmos isso, podemos criar uma rede na qual, quando eu estiver andando pela cidade, eu uso um pouco da sua internet e, quando você estiver andando perto da minha casa, usa um pouco da minha internet. É livre, pois a estamos compartilhando.

Site: Jornal do Comércio
Data: 19/05/2014
Hora: ——
Seção: Tecnologia
Autor: Ariel Engster
Link: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=162098

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