Mudança da desoneração põe o emprego em risco

O governo federal enviou ao Congresso o Projeto de Lei 863/2015 que visa alterar as regras da desoneração da folha de salários. Pelo projeto, as empresas poderão escolher entre a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha ou a contribuição sobre a receita bruta, cujas alíquotas serão aumentadas de 1% e 2% para 2,5% e 4,5%. Neste artigo, discuto os argumentos que embasam a proposta do governo e chamo a atenção para os possíveis impactos que a mudança pode causar no mercado de trabalho, na produção industrial e na arrecadação tributária.

O governo argumenta que a política de desoneração da folha teve um elevado custo fiscal sem ter trazido benefícios econômicos e de geração de empregos. Quanto ao custo, o argumento se baseia em cálculo feito pela Secretaria da Receita Federal (SRF) que estima uma renúncia fiscal de R$ 21,6 bilhões com a desoneração em 2014. Essa estimativa é obtida pela diferença entre a arrecadação efetiva com o que seria obtido se a alíquota de 20% incidisse sobre a massa salarial informada pelas empresas.

Ocorre que a massa salarial informada não está imune à influência da desoneração. Se esta política causou aumento no emprego e/ou nos salários, então ela elevou a massa salarial em relação ao patamar que se observaria em sua ausência. Ou seja, a arrecadação teórica calculada pela SRF não retrata o que teria ocorrido sem a desoneração e gera um viés de cálculo que amplia a estimativa de perda de arrecadação.

Uma avaliação adequada deste custo deveria basear­se na diferença entre a arrecadação de contribuições obtida na presença da desoneração com a provável arrecadação na ausência dessa política. Para se chegar a esta última, deveria ser deduzida da massa salarial observada a fração correspondente ao efeito da desoneração sobre o nível de emprego e dos salários.

Neste ponto entra o segundo componente do argumento do governo, segundo o qual a desoneração não gerou efeitos positivos no mercado de trabalho. Esta afirmação não coincide com os resultados de estudo de minha autoria em que avalio o impacto da política no emprego e nos salários pagos nos setores de vestuário, têxtil, couro e calçados e de TI e TIC no primeiro ano de vigência. Nesse estudo concluo que a eliminação da contribuição sobre a folha teve efeito positivo de 16% no nível do emprego formal, de 10% no volume de horas de trabalho contratadas e de 2,3% nos salários desses setores. Embora mereça ser complementado para os demais setores, o estudo dá uma indicação importante para a avaliação da política.

Sendo assim, a suposição de que a desoneração foi positiva para o mercado formal de trabalho implica alteração substancial da estimativa do custo fiscal. Por exemplo, supondo que a desoneração tenha aumentado a massa salarial em 20%, a contribuição previdenciária teórica sem essa política de alívio tributário teria sido menor, resultando numa renúncia fiscal de R$ 11 bilhões, ou metade do que a SRF estima para 2014. Se o efeito a ser descontado for de 15%, então a renúncia seria de R$ 13 bilhões em 2014. Ou seja, ainda que o desconto seja menor do que 20% pode­-se dizer que provavelmente a renúncia fiscal é inferior às estimativas oficiais.

Dependendo destas premissas, o equilíbrio da conta da desoneração poderia ser alcançado pela elevação das alíquotas da contribuição previdenciária sobre a receita bruta em proporção mais modesta. Por exemplo, um aumento de 50% nas alíquotas (para 1,5% e 3%) poderia gerar R$ 9 bilhões em arrecadação suplementar ao ano. Além disso, tal medida não teria um impacto direto sobre o custo do trabalho, o que mitigaria o prejuízo para o nível de emprego.

Vale lembrar que a política de desoneração abrange um número expressivo de 82 mil empresas em 56 setores, que empregam atualmente cerca de 13,7 milhões de trabalhadores. O aspecto mais problemático da proposta do governo parece ser o de permitir que as empresas escolham a base de tributação entre a folha e a receita bruta. Este dispositivo pode ser danoso para o emprego, pois abre caminho para que muitas empresas que direcionam suas vendas para o mercado interno optem pela base folha e, ao mesmo tempo, reduzam essa base.

Agindo no sentido de evitar ou atenuar a alta nas alíquotas de contribuição previdenciária, as empresas poderão tentar reduzir a folha de salários pelo simples enxugamento do quadro de pessoal, pela terceirização para empresas do Simples Nacional (cuja folha permanece desonerada), pelo uso de contratos precários (p. ex. PJ, autônomos), ou mesmo pela contratação irregular, sem carteira assinada.

Outra hipótese de comportamento empresarial seria optar pela contribuição sobre a folha e ao mesmo tempo substituir a produção doméstica pela importação de produtos para revenda. Neste caso a base de tributação da folha seria reduzida e não haveria a tributação da receita de vendas dos produtos importados. Esta hipótese dá impulso à desindustrialização e agrava o desequilíbrio comercial.

Ou seja, a elegibilidade da base tributária no Projeto 863/2015 pode prejudicar o emprego formal, gerar contenção salarial reduzindo a demanda das famílias, estimular a desindustrialização e afetar o comércio externo. Mais ainda, sequer o resultado fiscal almejado pelo governo está garantido, pois dependerá do comportamento do empresário diante dessas opções. Pode­-se colher um fruto triplamente amargo de desemprego, precarização do emprego, e insucesso no equilíbrio fiscal do programa de desoneração da folha.

Uma alternativa que contemple a melhoria das contas públicas com a proteção ao emprego pode conter uma elevação moderada das alíquotas da contribuição sobre a receita bruta com a manutenção da obrigatoriedade do seu recolhimento nos setores desonerados.

Clóvis Scherer é economista, mestre em estudos do desenvolvimento e pesquisador do Dieese

Site: Valor Econômico
Data: 07/05/2015
Hora: 5h
Seção: Opinião
Autor: ——
Link: http://www.valor.com.br/opiniao/4038852/mudanca-da-desoneracao-poe-o-emprego-em-risco

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