Benito Paret
Há no Brasil uma convicção popular segundo a qual existem leis que “pegam e outras, não”. Tal conceito é reforçado agora com as discussões sobre os efeitos do Marco Civil da Internet, evidenciando-se radicalização do contraditório entre os mais variados interesses. Infelizmente, essa polêmica sem fim ameaça o futuro da Lei 12.965/14, comprometendo os resultados positivos de um processo ao longo de cinco anos de debates e negociações que colocaram o Brasil na dianteira dos países com legislação específica para regulamentar a internet.
Durante um recente evento realizado em São Paulo, denominado NET Mundial, a Lei recebeu inúmeros elogios dos participantes dos 80 países que vieram ao Brasil como representantes de governos, empresas, especialistas e militantes do setor.
Nos últimos meses, o debate passou a ser focado principalmente em dois aspectos que demandam regulamentação: as exceções à neutralidade de rede e o artigo que trata da Guarda de Registros de Acesso a Aplicações de Internet em ambiente controlado, pelo prazo de seis meses.
Acordos como o realizado entre o Netflix e os provedores de acesso Comcast, AT&T e Verizon nos Estados Unidos não estariam, necessariamente, proibidos no Brasil, embora sejam usados como argumento dos que combatem o principio da neutralidade exigido pela lei do Marco, num alerta sobre os problemas decorrentes da “saturação” das redes por grandes volumes a serem recebidos pelos usuários.
Outro aspecto polêmico é encontrar uma forma de limitar a coleta massiva de dados dos usuários a um número mais restrito de empresas que sejam responsáveis por páginas ou serviços que, num dado período, tenha sido alvo de um grande número de denúncias de atividade suspeita ou ilegal.
Na Anatel não existe consenso sobre como seria a regulamentação. Não se sabe, também, como se posicionará o recém-empossado Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI. As exceções à neutralidade de rede, também previstas na lei 12.965/14, não evoluíram para uma definição e, com isto, a regulamentação pode desencadear mais um longo debate, com a ameaça de não se completar este ano.
Para piorar, o período eleitoral retirou o foco do assunto e, após o pleito, o tempo deverá ser curto para o debate, alegam muitos dos interessados em postergar a sua plena implantação.
É inadmissível que, depois de tanto esforço, o Marco Civil entre no rol daquelas Leis que produzem pouco ou nenhum impacto na sociedade. A Campanha eleitoral, ao contrário do que muitos pensam, deveria ser uma excelente oportunidade para obter-se uma definição dos candidatos e o compromisso com sua regulamentação, o mais breve possível.
Benito Paret, presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Rio de Janeiro – TI-Rio.
Jornal: O Globo
Data: 23/08/2014
Caderno: Opinião
Autor: Benito Paret
Página: 15