Há mais de um ano da aprovação do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014), que consolidou direitos, deveres e princípios para a utilização e o desenvolvimento da Internet no Brasil, três consultas públicas já foram realizadas sobre temas que ainda dependem de regulamentação como a neutralidade da rede, privacidade e sigilo das comunicações, manutenção de registros de conexão e registros de acesso a aplicações, além da proteção de registro e dados pessoais.
No início do ano, o Ministério da Justiça realizou um debate com mais de 1.500 internautas cadastrados e recebeu cerca de 700 contribuições. Segundo o governo, o tema mais debatido pelos cidadãos foi sobre a questão da neutralidade de rede. O Marco Civil da Internet prevê que sejam regulamentadas as exceções em que as empresas de telecomunicações possam interferir nas conexões oferecidas aos usuários.
A regulamentação vai, portanto, definir parâmetros para as exceções, por meio de decreto presidencial após os pareceres do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que também realizaram consultas públicas no início deste ano. Representantes do setor de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC), da área acadêmica, empresarial, do terceiro setor e da sociedade civil participaram da consulta por meio do envio de contribuições.
Durante as consultas públicas o CGI.br recebeu 139 contribuições e a Anatel 147. A expectativa é que as sugestões sejam entregues ao governo ainda este ano. “O CGI.br está trabalhando na conclusão do texto da regulamentação que deve ficar pronto até o final de setembro. Levar este debate ao Rio Info vai ser uma importante oportunidade para a formação de opinião sobre o tema”, afirma Henrique Faulhaber, conselheiro do CGI.br.
Faulhaber acredita que a demora na regulamentação não prejudica os direitos já garantidos pela lei, no entanto, é importante que este processo seja agilizado para que pontos importantes sejam esclarecidos. “O mercado ainda está se adaptando às novas normas, mas ainda há muitas incertezas que envolvem, entre outras questões, a obrigação da guarda de logs. O provedor não pode fazer valor de juízo. Não pode determinar o quê será ou não removido. E ainda ficaram pontos falhos na legislação que dependem da regulamentação”.
Diretos do usuário
Para Flávia Lefevre, membro do Conselho Consultivo da Associação de Consumidores (Proteste) e representante da sociedade civil no CGI.br, a falta de regulamentação ainda deixa algumas brechas que podem prejudicar o direito dos usuários da rede já garantidos pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor.
O bloqueio à internet irrestrita ao final da franquia, por exemplo, pode ferir a garantia de neutralidade: “À medida que, ao final da franquia, bloqueia-se o acesso irrestrito à internet, cuja arquitetura deve ser sempre aberta e o tráfego livre de ponto a ponto, como está expresso no Marco Civil, e concede-se acesso apenas a determinadas aplicações, fere a lei de neutralidade”. Afirma Flávia, que aponta como um dos pontos mais sensíveis da lei do ponto de vista do usuário.
No entanto, segundo Flávia, a tese não se aplica ao caso de modelos de negócio “zero-rating”, prática realizada pelas operadoras e algumas empresas de telefonia que permite o acesso de forma “gratuita”, ou sem cobrar o tráfego de dados móveis a alguns serviços online, como apps de rede sociais e mensagens. “Entendo que, enquanto a franquia está válida, a prática de não descontar do volume de dados estabelecido determinadas aplicações não fere diretamente a neutralidade. Inclusive, poderemos ter casos de “zero-rating” para a oferta de serviços públicos, como já começou a ocorrer em São Paulo com os serviços do Poupatempo”.
Segundo Flávia, a Proteste já ajuizou uma ação civil pública contra bloqueios de acesso a internet em planos de franquia de dados praticado por empresas de telefonia móvel, com base no Código de Defesa do Consumidor que garante que serviços essenciais devem ser prestados de forma contínua, só podendo ser interrompidos no caso de inadimplência. “Apresentamos à Procuradoria Geral da República uma representação, a fim de que sejam apuradas as práticas das teles, que também prestam serviço de conexão à internet, que pretendem impedir serviços de voz sobre IP, como no caso do Whatsapp, por exemplo”.
Fonte: Rio Info