Dose errada

* Benito Paret

Com o objetivo de posicionar o Brasil como protagonista em tecnologia da informação e comunicação, o governo federal anunciou a criação do Programa Estratégico de Softwares e Serviços. Com mais esse passo para incentivar a área que mais cresce na economia mundial, mostra que não se conforma com a condição de produtor e exportador de commodities e semielaborados, que são, ainda, os principais na pauta de comércio exterior.

Para estimular a produção brasileira, o novo programa se fundamenta em cinco eixos. Em um deles, o de “competitividade”, considera-se prioritária a criação de uma metodologia de avaliação que defina com clareza o que são produtos e serviços resultantes do desenvolvimento e inovação tecnológica legitimamente nacionais. Essa definição, dada, em princípio, pela Lei 12.340/2010, será chancelada por uma Certificação de Tecnologia Nacional aplicada a cada produto proposto ou cadastrado como elaborado com tecnologia nacional. O certificado é o que garantirá ao produto e à empresa proponente a preferência nas compras governamentais, mecanismo vital para garantir economia de escala às pequenas e médias empresas do setor.

Para uma empresa receber a certificação terá que ser aprovada em cinco áreas de competência: desenvolvimento, gestão tecnológica, gestão de negócios, gestão de parcerias e alianças; e gestão de pessoas, processos e conhecimento. Se não atender rigorosamente a cada uma dessas exigências, que se desdobram em diversos “resultados esperados”, não terá a certificação.

A intenção dos formuladores da estratégia é excelente, mas as exigências são tantas que é praticamente impossível ajustar-se a elas. Ou seja: o remédio é bom, mas pode estar na dose errada. Somente grandes corporações, com longa maturidade organizacional e infraestrutura, poderiam suportar os custos para atender a todas essas exigências. É preciso lembrar que 95% das empresas de software, no Brasil, são de pequeno porte. E que o mercado, nessa área, é extremamente concentrado. Pesquisa do IVC constata que 70% das vendas, no país, são feitas por empresas estrangeiras de grande porte. Da maneira como está sendo formulada a estratégia, somente elas teriam poder econômico para satisfazer a todas as exigências.

A consulta pública para debater as normas propostas está aberta até dezembro. É preciso, portanto, que todos os interessados nessa discussão se manifestem. As compras governamentais, pelo volume, são a melhor forma de garantir mercado à maioria das empresas de software brasileiras. É preciso encontrar uma solução que não acabe por atender exclusivamente aos interesses das grandes empresas e perpetue o governo como comprador de produtos importados.

Benito Paret é presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Estado do Rio de Janeiro

Jornal: O Globo
Data: 13/10/2012
Seção: Opinião
Autor: Benito Paret
Página: 17

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