A tramitação do Marco Civil da Internet é reveladora do quanto a rede mundial é disruptiva. Sejam tradicionais modelos de negócios ou interpretações legais sobre liberdade de expressão, evidencia-se no debate uma grande dificuldade de assimilação desta nova ferramenta. Na política, palco central desse debate, poucos manifestam tão claramente essa dificuldade como o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ).
Aparentemente batido na cisma na base aliada do governo, especialmente naquele que até aqui foi o principal ponto de discórdia sobre o projeto, a neutralidade de rede, Cunha agora aponta as baterias para outro aspecto muito importante do PL 2126/11: a inimputabilidade da rede. Ou seja, adotar na Internet a mesma lógica pela qual não se prende o carteiro pelo recebimento de uma correspondência indesejada ou mesmo criminosa.
Diz o artigo que “o provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.
Embora esse item tenha sido elaborado com vistas a impedir a censura prévia na rede, o líder do PMDB garante que mesmo que os correligionários decidam apoiar o Marco Civil, não abrirá mão de tentar modificar o artigo 20 do projeto. Segundo Cunha, não deve haver necessidade de ordem judicial em casos como ataques à honra uma vez que este direito já está previsto no Código Civil – daí defender a remoção de conteúdo somente com pedido do interessado.
O peemedebista já adota um tom diferente da semana passada, quando jurou derrotar o Marco Civil. É que a ação do governo – notadamente pelo caminho da liberação de emendas – esvaziou o ‘blocão’, o grupo de legendas descontentes. “Se a posição majoritária dos partidos for para mudar sua posição e aceitar a votação, mesmo por partes, a bancada tende a aceitar”, reconhece. Mas diz que “mesmo que a bancada decida votar a favor do texto, vai destacar o artigo [20].”
Formalmente, até aqui não há posição firmada pelo PMDB – ela será tomada na própria terça, 25/3, em que está prevista a votação do Marco Civil, “ainda que seja preciso varar a madrugada”, como promete o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves. O líder do partido garante, porém, que a bancada vai ‘fechada’ para o Plenário – não haverá liberação para que cada deputado vote como achar melhor. Mas admite que “boa parte quer votar a favor”.
Ressalte-se que a inimputabilidade da rede é essencial para dar segurança não somente a grandes provedores de aplicações, como o sempre citado Google, mas uma garantia de que qualquer cidadão pode expressar livremente sua opinião ou mesmo não ser punido por comentários feitos por terceiros. Além disso, mesmo o Judiciário admite carecer de uma orientação legal nesse território, razão de tantas sentenças com diferentes abordagens.
Ou, como sustenta uma das principais magistradas a tratar de Internet, a ministra do STJ, Nancy Andrighi, ao defender o Marco Civil, “a proposta evidencia a preocupação do legislador com uma lacuna que para o Judiciário é muito difícil. Não se sabe efetivamente se estamos tutelando de forma justa e eficiente as inúmeras relações advindas do uso dessa rede mundial de computadores, matéria complexa para juízes que como eu estão na magistratura há 37 anos.”
Site: Convergência Digital
Data: 20/03/2014
Hora: 11h40
Seção: Internet
Autor: Luís Osvaldo Grossmann
Link: http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=36252&sid=4#.UytGLajMSrF