É notório que dentre os métodos utilizados pelos países mais desenvolvidos para geração de tecnologia, um dos mais importantes é a chamada “compra pública”, entendendo-se como tal as aquisições pelos governos: seus órgãos e empresas controladas.
Para garantir que essas compras se façam com a concomitante geração ou sustentação de empresas de base tecnológica, criam-se marcos regulatórios específicos de proteção, por um lado, e garantia de qualidade, por outro; promove-se ao mesmo tempo a integração entre universidades e empresas entendendo-se que a ciência é, quase sempre, um insumo necessário às inovações tecnológicas.
Em conhecido trabalho (em 2005) comparando os EUA com o Brasil, Felipe Silveira Marques concluiu:
“Os EUA privilegiam a produção nacional, principalmente as PMEs. Assim, esforçam-se por reduzir as barreiras à entrada no fornecimento ao governo e admitem margens de preferência para os bens e serviços nacionais. O Brasil opta por estabelecer procedimentos complexos para coibir a corrupção e tratar todas as firmas de maneira igual, não importando seu tamanho ou nacionalidade, adotando poucas medidas de incentivo às firmas para que participem das licitações.”
No Brasil, o Ministério do Planejamento define o uso do poder de compra do Estado como o direcionamento da demanda por bens e serviços do Estado para desenvolver a economia local em setores sensíveis da economia ou de interesse estratégico, gerando emprego e renda e primando pelo desenvolvimento econômico sustentável. No site da SLTI que trata do assunto, não se menciona, no entanto, o desenvolvimento tecnológico do país.
Ditas essas contradições entre o que se ambiciona e o que se tem no país, mesmo reconhecendo diversos avanços nos últimos anos, tanto no marco regulatório (ex. Lei do Bem), quanto nos programas de governo nesse sentido (ex. TI Maior), é bom lembrar a conclusão do World Development Report de 1997 do Banco Mundial: “Os governos precisam adequar a ambição de suas intervenções a suas capacidades de levá-las a cabo”.
Ou seja, o cenário atual em que o Brasil ainda ocupa um lugar desonroso entre as nações tecnologicamente desenvolvidas, denota falhas graves nos métodos usados até então, visto que dispomos de um instrumental apoiado pelo Estado (ICTs, agências de fomento, programas específicos de governo etc.) incompatível com essa situação.
Encerramos esse pequeno artigo com dois exemplos de métodos que merecem reflexão pelos empresários do setor de base tecnológica e daqueles que influenciam os mecanismos de compras e fomentos públicos:
a) O Termo de Referência (documento que contém as especificações técnicas e operacionais) para aquisição de software, em geral, refere-se a um conjunto de funcionalidades que devem preexistir no produto. Isso, via de regra, direciona a aquisição para empresas que atuam no mercado internacional onde essas demandas já foram solicitadas em seus governos ou empresas. Por quê não permitir que certa parcela dos itens obrigatórios possa ser desenvolvida dentro de um prazo razoável?
Em exemplo recente, a Finep desclassificou duas empresas brasileiras e adjudicou uma transnacional na licitação de seu ERP. A diferença de 11 milhões entre as propostas mais próximas, certamente, permitiria desenvolver o item exigido gerador da desclassificação.
b) Várias empresas ligadas ao governo têm suas demandas de software resolvidas com a contratação de equipes terceirizadas. Aparentemente, a contratação de serviços é juridicamente mais viável que a contratação de uma empresa que desenvolva o mesmo software e dele se aproprie para alavancar seus negócios.
Usando os termos do programa TI Maior, onde está, por exemplo, o ecossistema de empresas de TI em torno da Petrobras? Quantos empreendedores teriam ali se desenvolvido caso seus bilionários investimentos em software fossem, em vez de intramuros, feitos nas empresas?
Essa é uma pequena amostra de ações que poderiam resultar em avanços significativos de tecnologia nas empresas brasileiras. Lógico que precisam ser aperfeiçoadas à luz de uma análise mais aprofundada. O programa TI Maior inaugurado em 2011 pelo MCTI lançou as bases para uma discussão permanente entre o setor empresarial de TI, o Governo e a Academia. Espera-se que essas questões estejam nas suas prioridades e resultem em ações contundentes e urgentes para o desenvolvimento da tecnologia brasileira.
Márcio Girão
Presidente da Federação Nacional das Empresas de Informática – Fenainfo