Complexo de vira-lata

Benito Paret*

Recentemente, foi divulgada, pelo Portal Convergência Digital, a síntese de uma palestra ministrada, durante o FUTERECOM, por um alto executivo de uma multinacional na qual afirmava: “Nosso grande desafio é transformar a criatividade em inovação. O Brasil é muito criativo, mas quantos Googles, quantas Microsofts ou Facebooks nasceram aqui? Há uma dificuldade em canalizar essa criatividade para os negócios”.

Em recente entrevista ao programa Milênio do Silio Boccanera, a economista da LSE, Mariana Mazzucato, revela como o Estado, sobretudo nos EUA, tem um papel absolutamente essencial na inovação tecnológica. Só que lá, o Estado aloca os recursos, as corporações faturam e nada devolvem. Pelo contrário, exigem abatimento de impostos.

Ela revela, que todas as tecnologias revolucionárias da Apple, por exemplo, foram financiadas pelo Governo americano, entre outras: touchscreen, GPS, giroscópio (que permite girar as telas do iPad e do iPhone), Siri (compreensão oral), algoritmos de compressão etc.

A Google desenvolveu o seu algoritmo de pesquisa com recursos da NSF (National Security Foundation). Ganhou bilhões de dólares com isso e não deu ao financiador nenhum retorno.

Já é hora de os brasileiros se despojarem do complexo de vira-lata em relação a quase tudo o que se refira ao Brasil, e mostrar a nossas autoridades que não atingiremos um papel importante no cenário mundial sem apoio concreto do Estado.

Devemos lembrar que nos anos 80, a Cobra fez o SOD (Sistema Operacional em Disco) e o SOX,  um Unix like. A Convergente, além do Carta Certa, fez, com muito sucesso também, o Página Certa, que concorria com o Aldous Pagemaker. O Sisne, da Scopus, tinha bons concorrentes entre os clones do DOS: o Monydos, da Monydata, o LZ DOS e o DOS desenvolvido pela Itautec. O Fácil vendeu quase 120 mil cópias e o Dialog mais de 50 mil. É bom citar, também, que o Mumps da Medidata (iniciado na Biodata) foi o primeiro software exportado pelo Brasil (vendido à Nixdorf por US$ 300 mil). Também havia uma grande oferta de redes LAN: Amplinet, da Amplus Mira, Saga e Telsist, entre outras. Além destes, ainda houve o compilador para Open Access e depois o “Tool”, a primeira ferramenta de programação em ambiente gráfico e totalmente orientada a objeto.

Sem qualquer apoio governamental, sucumbiram na transição do DOS para Windows. Apesar do esforço desenvolvido, com poucos recursos e muita vontade, a transposição para a nova plataforma, quando ficou pronta na versão Windows, era tarde: o mercado já tinha feito suas escolhas por outros produtos estrangeiros, apesar de terem obtido anteriormente um grande sucesso de vendas no DOS.

As condições no Brasil são menos propícias do que em outros locais do mundo. A velocidade de nossa internet inibe nossas empresas de ganharem mercado. As aplicações desenvolvidas em outros Países, quando aqui chegam, em condições de acessibilidade (devido às demandas de velocidade), superam nossas soluções.

Estamos próximos de novos desafios (Cloud, Big Data, Internet off Things), que demandam intensamente banda ultra larga. Possivelmente, vamos mais uma vez ficar para trás. Sem infraestrutura, e sem apoio governamental efetivo.

Na realidade, o Governo nunca usou seu poder de compra para alavancar as empresas de software, agindo de forma açodada ao exigir a adoção do modelo de software livre, sem qualquer estratégia para domínio tecnológico, baseando-se apenas num hipotético “comprar pelo menor preço”, esquecendo-se dos outros custos associados à implantação, manutenção, etc..  Preocupa-nos a afirmação de que vão parar de usar o Outlook por conta da “espionagem americana”, e o substituto seria o “Expresso”, que até recentemente, não era de fato um software livre, já que o Serpro só o licencia para entes públicos.

Temos certeza que há muito que caminhar para nos equipararmos aos maiores produtores de tecnologia no mundo. Mas já é hora de deixar de lado o complexo de vira-lata, e criar uma efetiva Política Pública de suporte ao desenvolvimento de uma Indústria Nacional de Software.

*Benito Paret é presidente do Sindicato das Empresas de Informática do Rio de Janeiro.

Fonte: Convergência Digital
Data: 31/10/2013
Seção: Opinião
Link: http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=35289&sid=15#.UnOWzHCQM2Y

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