Fonte: Jornal O Globo – em 29/03/2007
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Para debater estas questões, apontar as oportunidades para o estado e discutir a implementação de iniciativas governamentais, o Sindicado das Empresas de Informática do Estado do Rio de Janeiro (SEPRORJ) organizou na segunda-feira desta semana o fórum “Rio de Janeiro-Estado Digital”, o primeiro promovido pela entidade nesse ano em que comemora seus 20 anos de fundação.
Na abertura do evento, o presidente do SEPRORJ, Benito Paret, criticou a falta de políticas de incentivo para a área da Tecnologia da Informação (TI) e ressaltou que 80% desse mercado, que deve girar cerca de R$ 45 bilhões este ano, estão nas mãos de empresas estrangeiras. “Temos que gerar recursos para o desenvolvimento do software nacional. O esforço que o governo faz para promover o crescimento do país se pauta em programas estruturantes que pouco têm a ver com a tecnologia da informação. E a inclusão digital é uma questão de sobrevivência”, alertou ele, ao lado do secretário de Estado de Ciência e Tecnologia, Alexandre Cardoso; do superintendente da Finep, Eduardo Costa; e do deputado André Correa, que preside a Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
O secretário Alexandre Cardoso – que preside o Conselho Nacional dos Secretários Estaduais para Assuntos de Ciência, Tecnologia e Inovação – disse que é preciso “sair do discurso para o recurso” e que o grande problema é a burocracia que emperra a liberação de financiamentos. “A Faperj tem que entender que seu papel é financiar e não burocratizar”, disse ele, assumindo dois compromissos durante o evento: colocar a pasta que comanda para facilitar o acesso às linhas de financiamento e trabalhar de forma integrada para vencer as contingências do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações).
O primeiro painel do fórum discutiu “Os novos desafios e oportunidades da convergência digital no estado do Rio de Janeiro”, com a presença do professor da Puc-Rio, Bruno Feijó; e do vice-presidente do SEPRORJ, John Forman, que falaram sobre IPTV, TV Digital e oportunidades no segmento do software. A mesa foi coordenada pelo professor da FGV, Tito Ryff.
Em seguida, foi debatido o tema “Digitalização do Estado X Estado digital” no painel de encerramento, com a participação do vice-governador do estado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, que falou sobre a experiência pioneira do projeto ‘Piraí Digital’, que recebeu vários prêmios nacionais e internacionais por garantir acesso à internet em banda larga no município, inclusive em locais públicos. Participaram também o diretor do Serpro, Sérgio Rosa, e a presidente do Proderj, Tereza Porto, que abordaram as iniciativas de E-gov nas esferas federal e estadual. O painel foi coordenado pelo presidente do Instituto de Engenharia do Software (IES), Márcio Girão.
Rio usa mal os recursos da Finep
O superintendente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Eduardo Costa, disse que o Rio de Janeiro tem oportunidades enormes na região metropolitana, mas que o problema está no fato de a sociedade esperar que o governo dê conta de tudo, ao invés de desenhar seus próprios projetos. “O governo não tem como resolver todos os problemas, ou por falta de tempo ou, às vezes, de competência. A sociedade tem que tomar a frente desse processo”.
Na sua avaliação, esse projeto – “que cooptaria corações e mentes” – deveria ser na área de governo eletrônico, até porque o estado está bem adiantado no uso da tecnologia em alguns setores, como o Detran, por exemplo. “O Detran, até há pouco tempo, era um poço de problemas e hoje já funciona muito melhor, perto do ideal. O tema governo eletrônico deve ser o ponto central das discussões”, propôs.
Eduardo Costa afirmou que o estado do Rio de Janeiro “usa mal” o fato de sediar uma agência federal de financiamento e lembrou que há projetos da Finep que ainda não foram implementados aqui, como o Programa Juro Zero, por problemas burocráticos locais. “A Finep vai colocar à disposição R$ 1 bilhão em recursos nos próximos três anos para as pequenas empresas inovadoras. É uma quantia muito significativa, mas resta saber qual a cota vai ficar com o Rio de Janeiro”, questionou.
Brasil tem belos feitos na área digital
O Rio de Janeiro tem vocação e pioneirismo em alguns aspectos da tecnologia que a maioria de seus moradores certamente desconhece. Além do modelo desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica (Puc-Rio) para a TV Digital interativa, o estado tem tecnologia para criar games com simulação em tempo real e dispõe de conhecimento e ferramenta para criar cenas para televisão e cinema com simulações virtuais – criar cenas de época para novelas, por exemplo, ou trabalhar cenas a partir de fotos antigas com inserção de elementos atuais e de personagens e captura do real. “O Brasil inova, ninguém no mundo tem esta competência”, afirmou o professor Bruno Feijó, coordenador geral do VisonLab, do Departamento de Informática da Puc-Rio.
Durante a apresentação em que expôs a situação da TV Digital no Brasil, Bruno Feijó
destacou outros feitos brasileiros na área de tecnologia, como a influência que a TV Globo teve no cinema, ao ser a primeira empresa do mundo a utilizar soluções gráficas animadas para televisão. “Foi também a TV Globo que lançou a Sony no mercado de broadcast”, acrescentou.
Na área de simulação de games, o Rio de Janeiro conta com inteligência e competência não só para ampliar o mercado de entretenimento, mas também para ajudar no desenvolvimento de jogos educativos com a mesma qualidade. “Faltam apenas recursos”, pontuou Feijó. Atualmente, as plataformas que mais crescem são as desenvolvidas para celulares, pois há um número enorme de usuários e poucos jogos criados para esta tecnologia.
Depois de passar algum tempo discutindo que padrão de TV Digital utilizaria, o Brasil está mergulhado na discussão de três aspectos referentes a esta tecnologia: produção, transmissão e recepção, e modelo de programação e negócios. Ainda que a interatividade da TV Digital não esteja bem definida por aqui – e exija grandes investimentos em transmissão e recepção doméstica – o Brasil vislumbra boas possibilidades nesta área, como a necessidade de geração de conteúdo. Na avaliação do professor Bruno Feijó, a produção de conteúdo pode ser vista num primeiro momento como um problema a ser enfrentado, mas traduz-se também em uma grande oportunidade de negócios para as empresas de tecnologia.
Desafios – Para o vice-presidente do SEPRORJ, John Forman, o Rio de Janeiro precisa aprender a tirar proveito das idéias para evitar o desperdício de oportunidades. Segundo ele, a corrida pela adequação ao modelo de TV Digital gerou a adequação e a mobilização de 17 empresas de softwares, que, incentivadas pela entidade em torno do potencial do estado, encaminharam 25 projetos à Finep para este tipo de tecnologia, todos com ênfase na educação.
Mas, na sua avaliação, todo o esforço despendido esbarra num problema comum: a falta de compreensão das pessoas de governo do que é um software. “Ficamos sempre presos ao modelo industrial que gera pouco emprego em comparação às fábricas de desenvolvimento de softwares que empregam mais de mil pessoas”, comparou. Ele defendeu o apoio do governo do Estado para promover uma revisão na lei federal que trata deste tipo de tecnologia, para que o software seja percebido como uma oportunidade de negócio. “O governador Sérgio Cabral deve pegar a carona de outros governadores e acelerar o passo para que o Rio volte a ter, de fato, o que já é dele por direito”, concluiu.
Frente parlamentar de tecnologia
O deputado André Correa (PPS) lançou durante o evento do SEPRORJ uma semente para a criação da Frente Parlamentar de Tecnologia da Informação da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), ligada à comissão de economia. “Queremos criar um guarda-chuva institucional que reúna a academia, o setor privado e os três níveis de governo. Esta frente pode se tornar o
vetor político das decisões que saírem deste debate”, afirmou. O setor pretende utilizar o espaço como plataforma para reivindicações, como a inclusão no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e um tratamento diferenciado no campo tributário.
Na avaliação do deputado, o Rio não tinha antes, por conjunções econômicas e políticas, condições tão favoráveis para o seu desenvolvimento tecnológico como agora. Ele destacou a interação entre o secretário de Estado e o ministro de Ciência e Tecnologia, que são do mesmo partido, como o ponto de partida muito importante para que o Rio avance rumo a uma política permanente de fomento às oportunidades de negócios nas áreas de segurança pública, saúde e educação.
Proderj desenvolve o Estado Digital
Um dos grandes destaques do estado do Rio de Janeiro na área de tecnologia é o bem-sucedido programa de inclusão digital implantado com a parceria do Proderj em Piraí, que garante acesso à internet banda larga nos órgãos de administração pública, quiosques e escolas. Implementado na gestão do então prefeito Luiz Fernando Pezão – hoje vice-governador e secretário de obras do estado – o programa chamado “Municípios Digitais” prevê a construção de infra-estrutura de fibra ótica para transmissão de dados em alta velocidade com suporte de tecnologia wireless (sem fio).
O projeto, que contou com consultoria tecnológica do Centro de Processamento de Dados do Estado do Rio de Janeiro (Proderj), colocou os 23,6 mil habitantes de Piraí no mapa da inclusão digital e interligou todas as repartições públicas da cidade via web. Premiado no Brasil e no exterior (veja box), o programa foi replicado no município de Rio das Flores, que tem uma extensa área rural, e em seguida em Mangaratiba. “O objetivo não é só oferecer infra-estrutura, mas gerar negócios e facilitar o acesso à educação e à saúde”, explicou Tereza Porto, presidente do Proderj.
Depois de adaptadas à nova tecnologia, a população começa a fazer uso diversificado das ferramentas que dispõe e aumenta sua capacidade de gerar renda e trabalho. Em Piraí, as pessoas já negociam encomendas com as costureiras de Petrópolis, por exemplo, via internet. O mesmo acontece no setor de moda íntima de Friburgo e, em breve, chegará aos comerciantes do Saara, no Rio de Janeiro, segundo Tereza Porto.
Inspirado no sucesso desse programa, o Proderj criou o Projeto ‘Corredor Digital’, a partir dos três municípios interligados, e está desenvolvendo o Projeto ‘Estado Digital’, que chegará a todos os 92 municípios do estado. Hoje já existem 55 centros de internet comunitária, com um milhão de acessos – só na capital, são 20 centros.
Um programa bem-sucedido e premiado
O projeto “Piraí Digital”, implantado em 2004 pelo então prefeito Luiz Fernando Pezão, assegurou acesso gratuito à internet, em banda larga, em 100% do território de Piraí e gerou oportunidades de avanços nos serviços prestados pelo município. O acesso à internet é feito em quiosques instalados em locais públicos e telecentros. O programa recebeu vários prêmios nacionais e internacionais, entre eles o Top Seven Intelligent Communities (Sete Cidades mais Inteligentes do Mundo) e a chancela da Unesco, por democratizar o acesso à informação e à comunicação.
No projeto de Piraí, explicou o vice-governador Luiz Fernando Pezão, a ênfase foi a educação, que concentrou 70% dos esforços. Hoje, 93% da população têm acesso à internet, que é oferecida em quiosques de praças públicas, e todos os moradores podem ter um endereço eletrônico (e-mail) cadastrado. “A linha de infovia é o grande caminho para o futuro”, disse Pezão.
O Município Digital (atual abrangência da Rede SHSW) está em todo o município de Piraí. Cobre 39 edifícios públicos com 144 computadores, mais 20 estabelecimentos de ensino com internet rápida, num total de 6.300 alunos e 188 computadores (33 alunos por computador).
Alguns dados referentes a Piraí, depois da implementação do programa:
- 23,6 mil habitantes
- 2ª maior renda per capita do estado
- 18 indústrias instaladas
- 4,2 mil empregos diretos
- 200 mil gabinetes de computador produzidos por mês no município
As propostas de inclusão do governo federal
Entre os programas de inclusão digital do governo federal, que têm o objetivo de fazer chegar a todos os brasileiros computadores e acesso à internet, três foram destacados pelo diretor do Serpro, Sérgio Rosa, durante o evento do SEPRO-RJ: o ‘Casa Brasil’, o ‘Computador para Todos’ e o ‘UCA’ – um computador por aluno. Segundo dados do Serpro, 70% dos cidadãos brasileiros não têm acesso à internet.
O ‘Casa Brasil’ é voltado para a população de baixa renda que não tem condições de adquirir acesso individual à internet. Um telecentro comunitário tem à disposição pelo menos dez computadores de acesso público e gratuito. O Serpro, em parceria com ONGs sem fins lucrativos, doa equipamentos depreciados ao programa, que pretende chegar a 90 cidades brasileiras.
O projeto ‘Computador para Todos’ tem o objetivo de possibilitar a compra de equipamentos de fabricação nacional, com sistema operacional e aplicativos em software livre, que atendam, ao máximo, às demandas de usuários, além de permitir acesso à internet. De acordo com o programa, todas as pessoas que adquirirem um computador terão o direito a suporte técnico e uso dos aplicativos. Este programa forçou o mercado a uma significativa redução dos preços dos computadores.
O ‘UCA’ é um programa voltado para a área de educação, que está em fase de licitação. Pelo exemplo de sucesso, o município de Piraí será uma das cidades do país a participar do plano-piloto do programa, apontado como o mais importante projeto de inclusão digital
brasileiro. O Ministério das Comunicações dará início ao UCA, no próximo mês, em outras seis cidades brasileiras. “Vamos trabalhar com o sistema operacional Linux e haverá oportunidade de negócios nas áreas de software e hardware”, destacou Rosa.