O projeto de lei 2126/2011, o chamado marco civil da internet, foi o tema do debate do 20º Fórum TI Rio, realizado na semana passada, no Centro Experimental de Conteúdos Interativos Digitais (Cecid). Com mediação do presidente do TI Rio (Sindicato das Empresas de Informática do Rio de Janeiro), Benito Paret, o deputado federal Alessandro Molon, o professor de Direito Bruno Lewicki e o empresário Eduardo Fumes Parajo apresentaram suas opiniões sobre questões como privacidade, neutralidade da rede, liberdade de expressão e responsabilidades jurídicas na rede.
No Brasil, temos a mania de fazer ou leis muito grandiosas ou muitas leis sobre o mesmo assunto. O marco civil, ao contrário, será uma verdadeira Constituição da Internet. Ele tanto trata das questões da Internet como estrutura de serviços quanto do conteúdo que passa por ela – observou Paret. Molon, que é relator do PL 2126/2011, afirmou que o marco civil tem tudo para fazer história. Ele lembrou que o projeto foi elaborado a partir de consultas, audiências públicas e da ampla participação da sociedade, numa iniciativa do Ministério da Justiça que acabou contagiando a população de maneira nunca vista antes:
Nesse momento, temos a oportunidade de oferecer uma lei que pode marcar os rumos da Internet no mundo. Quando for aprovada, botará o Brasil à frente de muitos países desenvolvidos, que têm regulamentações sobre o assunto, mas nada que se assemelhe a esse projeto de lei. O marco civil será uma espécie de Constituição para o setor, aprofundando os direitos e princípios da rede. Lewicki, que é coordenador de Direito do IBMEC, considera o marco civil exemplar e acredita que a ideia do governo em regulamentar a internet deixa clara a importância que o poder público dá ao assunto.
Também é importante destacar que o projeto de lei surgiu como uma reação da sociedade às tentativas de sempre abordar a regulamentação da rede do ponto de vista criminal. Lógico que precisamos estabelecer responsabilidades, mas o funcionamento da internet é muito mais complexo – observou o professor. Na opinião de Parajo, o marco civil, entre outros benefícios, traça premissas para o bom uso da rede, o que facilitará o trabalho da Justiça, hoje sobrecarregada de ações relativas às responsabilidades de internautas e prestadores de serviços: – Precisamos ter parâmetros não apenas para os usuários, mas para todos os envolvidos no funcionamento da rede. Por isso, o PL é tão importante. Ele permite que todos os agentes envolvidos no processo possam apresentar seus pontos de vista.
Notas
Para entender melhor o PL 2126/2011 O projeto de lei 2126/2011 nasceu em 29 de outubro de 2009, quando o Ministério da Justiça, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, lançou a primeira fase do processo de consulta à sociedade para a elaboração de um marco civil da internet. Até 19 de dezembro de 2009, foram recebidas mais de 800 contribuições. A partir daí, foi possível construir um anteprojeto, aberto à participação da sociedade entre 8 de abril e 30 de maio de 2010. Após a segunda fase de consultas públicas, a proposta levou mais de um ano em aprimoramento, até ser enviada à Câmara dos Deputados, em 24 de agosto de 2011.
Desde então, o PL está sendo alvo de diversas audiências por todo o Brasil e sua redação final deve ser apresentada até o próximo dia 22. Com isso, a votação na comissão especial da Câmara (criada para análise da proposta) será marcada para julho. Caso aprovado na comissão, o projeto irá à votação no plenário, em data a ser marcada. Liberdade de Expressão O presidente do TI Rio, Benito Paret, destacou, durante o 20º Fórum, que o marco civil da internet contempla cinco grandes temas: liberdade de expressão, privacidade, neutralidade da rede, preservação da estabilidade e responsabilidade dos agentes. Liberdade de expressão, por sinal, é uma das questões mais debatidas na elaboração da nova lei.
Precisamos lembrar que 1/3 dos usuários de internet no mundo estão em países com algum grau de cerceamento à rede. Lógico que precisamos estabelecer certos controles, mas a liberdade de expressão é fundamental – disse Paret. Para Eduardo Parajo, do Comitê Gestor da Internet, essa liberdade estará mais bem protegida se os papéis dos agentes da rede estiverem bem definidos. Na opinião dele, os provedores não podem ser responsabilizados como coautores de ofensas e também não servem como polícia, embora possam atuar mais diretamente em casos de pedofilia e racismo, por exemplo.
A internet tem uma dinâmica própria, que inclui a ampla possibilidade de o usuário buscar conteúdo e publicar opiniões, por exemplo. Tratá-la apenas sob uma ótica criminalizante, simplesmente não funciona. Por isso, é importante estabelecer direitos e deveres de todos os envolvidos. Neutralidade é fundamental O deputado Alessandro Molon, relator do projeto de lei 2126/2011, é enfático ao defender a neutralidade da rede e a privacidade do usuário.
Segundo ele, oferecer produtos a um cidadão com base em sua navegação é tão absurdo quanto grampear um telefone, descobrir que o dono da linha ligou para a farmácia e procurá-lo com o intuito de vender um remédio. O parlamentar destacou ainda que uma preocupação muito comum nos debates sobre o marco civil é sobre a maneira como os provedores de conexão tratam o tráfego de dados na rede.
O acesso à informação deve ser o mais livre possível. Ninguém pode escolher por você se essa ou aquela página serão carregadas mais rapidamente. Tem que ser igual para todos – afirmou Molon. Para Bruno Lewicki, do Ibmec, a questão da neutralidade é “uma solução em busca de um problema”, já que, ao torná-la obrigatória no marco civil, o governo estará impedindo que acordos comerciais alheios à vontade do usuário interfiram em sua navegação. – Na prática, a neutralidade tira qualquer possibilidade de ocorrer o chamado “jabá”, na internet. Ninguém poderá pagar para que seu site ou página sejam de mais fácil acesso – disse ele.
Jornal: O Globo
Data: 12/06/2012
Caderno: Economia
Página: 21
Marco Civil da Internet