<<02.jpg | | left>>As empresas brasileiras, que sempre basearam sua competitividade em vantagens comparativas dos fatores clássicos de produção (terra, capital e trabalho), enfrentam agora o desafio de incorporar o conhecimento como o fator essencial do novo processo de produção e geração de riqueza. O mundo mudou e é preciso definir uma política industrial que aponte claramente os setores essenciais para a inserção competitiva do Brasil na Sociedade do Conhecimento.
Essas mudanças impostas pela nova ordem econômica foram tema do Fórum ‘Recursos Humanos na Sociedade do Conhecimento’, o terceiro promovido pelo Sindicato das Empresas de Informática do Estado do
Rio de Janeiro (Seprorj), na última segunda-feira, em continuidade à série que a entidade promove para discutir e analisar o impacto da adoção de Tecnologias de Informação e Comunicação nos diversos segmentos da economia, iniciada em março.
Os debates expuseram um sério dilema enfrentado pelo Brasil: de um lado, um número excessivo de profissões regulamentadas que são pouco exercidas no mercado de trabalho – a taxa média de correspondência de pessoas que trabalham na área em que se formam é de apenas 40%, excluída aí a categoria dos médicos (75%). De outro, a demanda crescente por profissões que não são oferecidas pelo sistema educacional brasileiro e que são supridas pelas grandes empresas do mercado pela implementação de suas universidades corporativas.
Participaram do debate, que foi mediado pelo presidente do Seprorj, Benito Paret, o presidente do Conselho Nacional de Educação (MEC), Edson Nunes; a presidente da Associação Brasileira de Educação Corporativa (Abec) e gerente da Universidade Corporativa da Embratel, Ana Rosa Bonilauri; e a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ), Leyla Nascimento.
Na avaliação de Benito Paret, o foco do governo brasileiro para a formação de Recursos Humanos é equivocado, uma vez que prepara a pessoa para trabalhar apenas com ferramentas e não para pensar e raciocinar de uma forma mais ampla. “A tecnologia tem um impacto muito forte no cotidiano das pessoas e deveria impactar também o sistema educacional como um todo. Não basta saber usar a tecnologia, é preciso pensar a tecnologia”, afirmou.
Esse abismo que existe entre o que se estuda na universidade e o que se pratica no ambiente profissional fez surgir com força no país as universidades corporativas, um guarda-chuva estratégico que estimula o desenvolvimento de competências individuais que darão suporte ao negócio da empresa. “As empresas passam por uma crise de capital intelectual. É preciso ter qualidade na gestão dos serviços, para que o produto seja bem percebido pelo cliente”, avaliou Ana Rosa, da Embratel.
Com a experiência de quem comanda a Abec, Ana Rosa afirma que o empregado tem que ser um estudante permanente para se manter no mercado de trabalho. “Não estamos falando de profissão, mas de ocupação. Precisamos flexibilizar, separar a formação
profissional da formação de elite: não se forma uma elite apenas em salas de aula, é preciso investir no trabalho acadêmico”, ensinou.
Ela ressaltou a utilização das ferramentas da tecnologia no princípio das Universidades Corporativas, que entendem que o ensino se dá em qualquer tempo e em qualquer lugar. E um bom exemplo de como esta iniciativa cresce a passos largos no país é o investimento que a Petrobras fez na área de educação corporativa no ano passado: R$ 60 milhões – o mesmo valor que o governo investiu na educação técnica de segundo grau em todo o país.
O país na contramão
Na avaliação de Edson Nunes, há uma interferência indevida das associações corporativas no ensino universitário brasileiro,
que levam a um “processo de emburrecimento” dos alunos, pois a grade curricular é ajustada apenas à profissão que se quer exercer no futuro. “Os médicos não estudam mais ciências. Que educação é essa? Estamos na contramão de qualquer tese da sociedade de conhecimento”, disse.
Segundo dados do Censo de Educação 2004, que Edson Nunes apresentou no debate, 80% das matrículas nos cursos de nível superior referem-se às profissões regulamentadas. Mas apenas 6% das pessoas com mais de 23 anos que estão no mercado de trabalho, segundo o Censo Demográfico de 2000, têm curso superior. “Não há como se construir uma sociedade competitiva dessa maneira”, afirmou.
Os números reforçam as conclusões: 72,7% dos dirigentes do setor público e 73% dos executivos do setor privado não têm formação superior. Ou seja, o pessoal que toca o país não tem estudo. “Temos um nó para a sociedade do conhecimento desatar”, concluiu.
Mercado competitivo
Os departamentos de Recursos Humanos precisam dotar as organizações de pessoas qualificadas para o mercado competitivo – a adoção de ambientes educacionais nas empresas é uma forma que vem se mostrando eficaz nessa tarefa. A tese foi defendida pela presidente da ABRH-RJ, Leyla Nascimento, que credita o sucesso profissional a um bom preparo para enfrentar o mercado de trabalho. “As mudanças nas empresas, culturais e comportamentais, transformam também o perfil profissional”, afirmou.
Leyla ressaltou que a nova economia mundial não comporta mais o modelo de funcionário que tem uma única formação e que se preocupa apenas em manter um emprego bom e estável. “A capacidade de absorver mudanças, a flexibilidade e a polivalência passaram a ser características essenciais. Todos nós somos empreendedores da nossa carreira”.
A executiva fez críticas à falta de preparo que o país exibe ao ignorar a formação de mão-de-obra especializada para setores que, sabidamente, demandariam a contratação de profissionais capacitados, como as telecomunicações e as ferrovias, depois de privatizadas, e o setor de petróleo e gás, que é apontado como o grande impulso da economia nos próximos dez anos. “O que aconteceu com as telecomunicações foi uma avalanche de contratação de estrangeiros. O mesmo se repete com o petróleo, em Macaé”, comparou.
Fonte: Jornal OGlobo, 20/07/2006